Análise da música Pais e Filho (Legião Urbana)

Composta por uma melodia doce e nostálgica, além de versos que aparentemente não possuem nenhuma conexão, Pais e Filhos narra um drama bastante tocante.

suicídio

Muito de nós já cantamos essa belíssima canção sem nos dar conta de sua mensagem. Isso deve-se em grande parte ao fato de sua melodia doce e nostálgica esconder o peso de seus versos. A música gira em torno de um tragédia que a maioria toma por uma metáfora, já que por ser tão músico quanto poeta, Renato Russo costumava recitar suas letras em tom misterioso.

Mas desta vez a frase “Ela se jogou da janela do quinto andar” quer dizer exatamente isso mesmo. Pais e Filhos aborda suicídio, relacionamentos conflituosos, amizade e ainda nos sugere refletir sobre o comportamento de nossos pais e, quem sabe, entendê-los.

Vem comigo revirar verso por verso?

Pais e Filhos – Legião Urbana

Estátuas e cofres e paredes pintadas
Ninguém sabe o que aconteceu
Ela se jogou da janela do quinto andar
Nada é fácil de entender

Renato usa um recurso muito comum entre escritores para iniciar sua música: começar a história pelo final. Eis a cena inicial deste “filme”: a câmera mostra o ambiente que a moça vive “Estátuas e cofres e paredes pintadas”. Dependendo da imagem que construirmos do lugar em nossas mentes, essa cena pode insinuar um ambiente perfeitamente normal, com paredes pintadas e limpas, além de cofres e estátuas, o que acaba por revelar que a protagonista desse drama tinha apego material e fazia planos para o futuro. Pode-se presumir, com isso, que a personagem não vivia nenhum terrível drama particular e levava uma vida normal, portanto “Ninguém sabe o que aconteceu“, sabe-se apenas que “Ela se jogou da janela do quinto andar”, mas alheios ao que se passava em seu interior, ninguém entende o que a levou a isso: “Nada é fácil de entender”. 

Dorme agora
É só o vento lá fora

Quero colo! Vou fugir de casa
Posso dormir aqui com vocês?
Estou com medo, tive um pesadelo
Só vou voltar depois das três

Meu filho vai ter nome de santo
Quero o nome mais bonito

Aqui Renato quebra a história para recitar trechos de diálogos comuns entre pais e filhos. Começando pelo verso “Dorme agora/É só o vento lá fora”. Frase que vem ilustrar muito bem como os pais tranquilizam os filhos nas noites de terror vivenciadas na infância, seja por medo do escuro, do bicho papão, paranoias ou sofrimentos adventos de perdas.

Os diálogos permanecem no centro da trama, quando versos que evidenciam diferentes fases da vida são atirados na letra.

  • Como filhos que ainda são crianças: “Quero colo!/Vou fugir de casa/Posso dormir aqui com vocês?/Estou com medo, tive um pesadelo” –  e os pais são o centro de seu universo e fonte de amor e proteção infinita. Fase em que tamanha dependência faz o mundo sem os pais parecer algo inimaginável.
  • Como filhos que já são jovens: “Só vou voltar depois das três” – envoltos em rebeldia, crítica e incompreensão. A fase da adolescência é certamente o momento em que são questionadas as escolhas dos pais e geralmente conclui-se que eles poderiam ter se saído melhores em tudo.
  • E como pais que sonham em dar o seu melhor para os filhos: “Meu filho vai ter nome de santo/Quero o nome mais bonito”.

Fazendo uso desses versos, Renato leva-nos a uma aproximação e consequente empatia pela relação pais x filhos. Todos que são filhos e pais podem se identificar com a estrofe. Funciona como uma generalização realista e comum a todos.

É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Porque se você parar pra pensar
Na verdade não há

É justamente essa generalização o gatilho para Renato deixar subentendido que essa fases são normais, todos passamos por elas. E que durante um intervalo de tempo filhos terão os pais como heróis e centro de seu universo. Depois verão seus pais com um olhar bastante crítico quando jovens. Mas por fim entenderão seus pais quando tiverem filhos.

Então, aconteça o que acontecer, ame-os como se não houvesse amanhã. Pois não importa a fase, a briga, a incompreensão, o desentendimento, a crítica… o amor tem que estar presente nessa relação. Além do mais, conflitos não devem estender-se no tempo, já que para seres humanos ele é limitado ou até curto demais as vezes. Então, ame “Como se não houvesse amanhã/Porque se você parar pra pensar/Na verdade não há”.

Me diz, por que que o céu é azul?
Explica a grande fúria do mundo
São meus filhos
Que tomam conta de mim

Eu moro com a minha mãe
Mas meu pai vem me visitar
Eu moro na rua, não tenho ninguém
Eu moro em qualquer lugar

Já morei em tanta casa
Que nem me lembro mais
Eu moro com os meus pais

Renato sai do papel de conselheiro e volta para nos trazer mais detalhes dessas relações e aborda questões triviais para os pais e também para os filhos. Logo questionamentos da infância que mesmo na velhice jamais puderam ser desvendados são colocados em pauta “Me diz, por que que o céu é azul?/Explica a grande fúria do mundo”.

Condições de relações diversas também são alvos de Renato Russo, que incorpora à música diálogos de personagens, ora porque são pais que recebem os cuidados dos filhos na velhice (cuidado), ora porque são filhos que sequer sabem quem são seus pais (abandono). Filhos que moram com os pais (presença) e filhos que moram em qualquer lugar (ausência). Eis o grande mistério do parágrafo: trata-se de um jogo de antíteses.

É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Porque se você parar pra pensar
Na verdade não há

(repetição)

Sou uma gota d’água
Sou um grão de areia
Você me diz que seus pais não te entendem
Mas você não entende seus pais

Essa estrofe diz que talvez toda essa ausência dos pais ou mesmo um relacionamento turbulento entre pais e filhos são condições que trazem enorme insegurança para ambos os lados. Nesse sentido, pais e filhos sente-se incompreendidos. Em uma relação ruim, os dois lados ficam em péssimo estado. Não há espaço para compreensão e muito menos flexibilidade.

Os primeiros dois versos são como os envolvidos se declaram mediante a relação “Sou uma gota d’água/Sou um grão de areia”. Sentem-se pequenos um em relação ao outro e julgam-se incapazes de solucionar suas divergências.

Em seguida, em meio a conversa com uma das partes (filhos), Renato incorpora o conselheiro e segue a música até o fim na mesma levada “Você me diz que seus pais não te entendem/Mas você não entende seus pais”.

Você culpa seus pais por tudo, isso é absurdo
São crianças como você
O que você vai ser
Quando você crescer

“Se meus pais tivessem feito isso por mim, se tivessem feito aquilo, seria tudo diferente e melhor”, dizem os filhos sobre os pais. Costumeiramente atribuem seus traumas e fracassos a eles. Mas Renato considera isso um equívoco da parte dos filhos e nos leva a pensar que mesmo após adultos, sentimos medo, fazemos péssimas escolhas, erramos! Somos criança, não importa nossa idade ou se temos filhos. Por isso, ser compreensivo é essencial.

Aparentemente os conselhos do eu lírico não foram suficientes ou então só ocorreram postumamente, e nossa protagonista continuou a nutrir seus pensamentos suicidas até se jogar da janela do quinto andar.

Não querendo que essa tragédia se repita, essa é a história que nosso narrador resolveu nos contar. Para finalizar, Renato revela um ponto muito importante que talvez nós não refletimos ainda:

Seus pais “São crianças como você/O que você vai ser quando você crescer”.

Não, não é uma pergunta, como a maioria pensa. Trata-se de uma afirmação. Você vai ser como seus pais quando “crescer”: permanecerá sendo uma criança.

Giulia Salgado

 

 

 

 

8 comentários em “Análise da música Pais e Filho (Legião Urbana)

  1. Eu lá tenho uma visão diferente da primeira parte dessa música… Aliás sempre tive,
    Estátuas e cofres e paredes pintadas (PRA MIM, ESSA PARTE DA FRASE INDICA UM CENÁRIO QUE A MOĆA FEZ ANTES DE SE JOGAR DA JANELA, OU SEJA ELA PEGA UMA LATA DE TINTA, SEJA COM UM PINCEL OU SPRAY E COMEĆA A PASSAR ESSA TINTA NAS ESTÁTUAS DA CASA, NOS COFRES E PAREDES, COMO UM SINAL DE QUE ELA ESTÁ PREPARANDO O CENÁRIO PARA ALGO MAIS GRAVE QUE ESTÁ PRESTES A ACONTECER, ENTÃO POUCO ANTES DE SE JOGAR, COMO QUE DEIXANDO UM RECADO INDIRETO, NAS ENTRELINHAS PARA OS PAIS, DEPREDA SUA CASA, MANDANDO O SEGUINTE RECADO: PELO MENOS DESTA VEZ VCS VÃO PRESTAR ATENĆÃO EM MIM PORQUE EU PEGUEI ESSA TINTA E MANCHEI SUAS ESTÁTUAS, COFRES E PAREDES DESTA CASA QUE PARECE QUE SÃO MAIS IMPORTANTES PARA VCS DO QUE EU MESMA, OU SIMPLESMENTE DEPREDOU SUA PRÓPRIA CASA COM TINTA POR UM MOMENTO DE SURTO, OU DEVANEIO, MAS SEJA QUAL FOR O MOTIVO, PRA MIM ELA PINTOU AS ESTÁTUAS, COFRES E PAREDES, SEJA EM SINAL DE PROTESTO OU POR UM MOMENTO DE DEVANEIO MOMENTÂNEO…)
    Ninguém sabe o que aconteceu (OBVIAMENTE PARA AS PESSOAS QUE ESTÃO DE FORA E SEQUER ENTENDEM O MOMENTO PELO QUAL A MOĆA ESTAVA PASSANDO, GERALMENTE ESSAS PESSOAS DIZEM: MAS TUDO ESTAVA BEM, EU NÃO ENTENDO, ESSA MULHER TINHA DE TUDO, O QUE PODE TER ACONTECIDO COM ELA PRA QUE FIZESSE ISSO?)
    Ela se jogou da janela do quinto andar
    Nada é fácil de entender AQUI OBVIAMENTE SE REPETE O QUE ESCREVI ANTERIORMENTE, “MAS O QUE FOI QUE ACONTECEU, PORQUE ELA FOI FAZER ISSO?”

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  2. Olá, minha interpretação dessa primeira parte é que: as ” estátuas, cofres e as paredes pintadas” são na verdade um cemitério. O narrador está lá naquele momento “sem saber o que aconteceu”, o que levou a “menina a se jogar da janela do quinto andar” para a morte.

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  3. “Ela se jogou do quinto andar”. Soube que ele faz referência à poetisa Ana Cristina César. Após várias tentativas de suicídio sem sucesso, pois havia vigilância da família para protegê-la, ela concretiza seu intento se trancando no banheiro, lambuza o basculante pequeno de sabonete , se mete nele e se lança do quinto andar.

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