Era uma vez quando eu tinha 14 anos e resolvi prestar a atenção na letra de uma música que tocava na rádio. Era nada mais, nada menos que ‘Perfeição’, de Renato Russo e Dado Villa-Lobos. Lembro que fiquei muito puta com a letra da canção e com os próprios compositores. Passei meses me perguntando como podia existir alguém tão genial ao ponto de falar a verdade humana em forma de poema e música ao mesmo tempo.
Caros, quando eu digo “meses”, falo no sentido literal da coisa. Penso e me pergunto até hoje! Vale destacar que sempre chego à mesma conclusão: só indivíduos muito inconformados para fazer tal proeza. Mas isso não me surpreende, todos os grandes homens são revoltados com o sistema.
Perfeição
(Dado Villa-Lobos e Renato Russo)
Vamos celebrar a estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja de assassinos
Covardes, estupradores e ladrões
Vamos celebrar a estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso Estado, que não é nação
Celebrar a juventude sem escola
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião
Vamos celebrar Eros e Thanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade.
Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta de hospitais
Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras e sequestros
Nosso castelo de cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda hipocrisia e toda afetação
Todo roubo e toda a indiferença
Vamos celebrar epidemias:
É a festa da torcida campeã.
Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar um coração
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado de absurdos gloriosos
Tudo o que é gratuito e feio
Tudo que é normal
Vamos cantar juntos o Hino Nacional
(A lágrima é verdadeira)
Vamos celebrar nossa saudade
E comemorar a nossa solidão.
Vamos festejar a inveja
A intolerância e a incompreensão
Vamos celebrar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente a vida inteira
E agora não tem mais direito a nada
Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta de bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isso – com festa, velório e caixão
Está tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou esta canção.
Venha, meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão.
Venha, o amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera –
Nosso futuro recomeça:
Venha, que o que vem é perfeição.
“E a nossa história não estará pelo avesso assim, sem final feliz. Teremos coisas bonitas pra contar. E até lá… Vamos viver! Temos muito ainda por fazer. Não olhe pra trás! Apenas começamos. O mundo começa agora… Apenas começamos!”
Em 1994, num show na cidade do Rio, Renato adicionou à música ‘Perfeição’ o trecho em vermelho, que trata-se de uma referência a outra de suas canções, chamada ‘Metal contra as Nuvens’. Isso é bem mais que apenas mesclar duas músicas. Ao fazer, isso o cantor anunciou a esperança de mudança que radiava em seu coração.