Pobres Criaturas: Atuações magníficas, direção excêntrica, fotografia linda, mas…

Caros leitores, parece que o impensável aconteceu: até o Frankenstein ganhou sua versão feminista e falo isso com um inevitável sorrisinho no rosto. Que história para boi dormir é essa?

Pequeno resumo: Pobres Criaturas narra a bizarra trajetória de Bella, que após a experiência de um cientista maluco tem seu cérebro de criança transferido para o corpo de mulher adulta. Muitos ficaram extasiados com a reflexão ética, moral e sobretudo antimachista proposta pela obra, mas a mim não convenceu.

Atuações magníficas, direção excêntrica, fotografia linda, mas pouco disruptivo. Essa é a minha opinião e quem gostou me perdoe por pensar tão diferente. Concordo que o filme é realizado com maestria, diferentão e lindo de assistir. Porém, qual o objetivo disso tudo? Uma “criança” descobrindo os prazeres da vida, sem amarras e tomando posse da sua autonomia. Bem, nós mulheres lutamos por isso há séculos e nunca precisamos de historinhas de Frankenstein.

Eu considero Yorgos um grande diretor e Pobres Criaturas até tem carisma (curti assistir), mas que besteira a história desse filme e suas reflexões. “Ah, vamos falar do moralismo conservador da sociedade, da repressão da mulher, somos fodas porque somos homens que vamos criticar os homens”. Obras assim existem aos montes, não há nada de novo. A autocrítica e a estranheza podem ser atraentes, mas não devem ser o únicos trunfos de uma obra. Quando um filme se propõe a transbordar do Cinema para campos mais reflexivos da existência humana, deve fazê-lo com propriedade, zelo e responsabilidade.

Necessito desembuchar que toda essa sexualização feminina no filme soa apelativa e até fetichista para mim. E antes que alguém pense que sou careta, não é esta a questão. Pobres Criaturas me incomodou principalmente por propor uma discussão rasa. “Ah, mas foi porque você não entendeu”. Então tá bom, mona. Em minha defesa, eu vi e analisei o filme. Fui em busca de muitas opiniões contrárias, seja defendendo ou criticando. Para falar a verdade, não tirei nenhuma conclusão de imediato, eu fui formando uma opinião à medida que digeria não apenas o filme, mas o retrato da sociedade.

Pessoalmente, só vejo um bando de homens explorando temas femininos para serem premiados por outros homens, enquanto isso – na vida real – Greta, Margot Robbie, Sophia Coppola, Emerald Fennell e tantas mulheres foram e continuarão sendo esnobadas na mais famosa premiação do cinema.

Tomemos como exemplo Barbie, filme indicado em oito categorias. Ainda assim, deixaram Greta de fora da categoria de Melhor Direção. Na minha opinião, não é o melhor filme da temporada, mas já que foi um fenômeno de crítica e público, por que indicar em tantas categorias, mas ignorar a relevância da principal percursora do projeto?

Outro ponto que vale a nossa atenção é a representação feminina feita por uma mulher e essa mesma representação feita por um homem. Em Barbie não há qualquer apelo à nudez ou sexualidade feminina, completamente o avesso de Pobres Criaturas. Digo mais: Barbie sofreu muitas críticas por idiotizar os homens, enquanto Pobres Criaturas fez o mesmo e a maioria aplaudiu. Por estas e outras, o filme de Greta é sorrateiramente desvalorizado, enquanto o de Yorgos foi levado a sério e saiu bastante premiado.

Finalizo dizendo que nada me incomoda mais em Hollywood quanto essa busca por uma pseudo elevação feminina na ficção, mas sem qualquer representatividade no mundo real. E já que o assunto é sexualidade e feminismo, vamos começar pelo fato que em pleno 2024 a maioria dos homens ainda não sabem ouvir um ‘não’, dividir as tarefas domésticas e a nem a sua responsabilidade na criação dos filhos. Essas sim seriam discussões e reflexões feitas por homens que trariam impacto positivo para a sociedade, o resto é firulas.

Duna: Parte 2 é mesmo um masterpiece?

Duna: Parte 2 estreou nos cinemas com a maior bilheteria desde Barbie, causando um enorme rebuliço entre os críticos e amantes mais aficionados de cinema e ficção científica. A crítica é quase unânime: a segunda parte do filme, também dirigido por Denis Villeneuve, é uma obra de arte. Será mesmo?

Para começar, Duna encantou uma legião de pessoas desde que essa história foi narrada pela primeira vez no livro homônimo de Frank Herbert. Através de um mundo futurístico e incrivelmente complexo, o escritor conta a jornada do brilhante Paul, que após a Casa Atreides aceitar administrar o planeta Arrakis, precisa se mudar para as terras desérticas com o intuito de garantir o futuro de seu povo. Lá, ele é forçado a fugir para o deserto e encontra diversos desafios pela frente. A partir daí, sua empreitada ganha contornos messiânicos à medida que antigas profecias vão se cumprindo.

Vermes de areia

Lembro que fui assistir Duna (2021, Villeneuve) com a expectativa no talo – e não que eu tenha me frustrado com o resultado, mas senti que faltou um tempero. Conforme a crítica que publiquei na data de estreia, achei o filme belo e bem executado, porém demasiadamente contemplativo e político. Resultado: não consegui me conectar aos personagens, achei que poderiam ter melhorado o que já era indiscutivelmente bom.

Desse modo, eu não me atreveria a assistir Duna: Parte 2 em casa, garanti logo meu ingresso, afinal Villeneuve é um dos diretores mais hypados e vem com uma excelente equipe e elenco nesse projeto. Porém, minhas expectativas já não estavam tão altas como da primeira vez. Entrei na sessão com receio de me deixar encantar pela bela fotografia de Greig Fraser e produção musical do premiado Hans Zimmer, mas ainda assim sentir que faltou algo.

Bem, por onde começar? Talvez falando que o filme, apesar de não ser perfeito, preencheu boa parte das minhas expectativas. Algo que posso garantir é que desta vez não faltou emoção e tempero. Para falar a verdade, fiquei com a sensação de que tudo fora planejado: a primeira parte do filme tinha como objetivo apresentar o contexto e seus personagens, além de mergulhar o espectador no fantasioso mundo arquitetado por Frank Herbert.

Paul Atreides (Timothée Chalamet) e Chani (Zendaya)

Já para a segunda parte restou finalmente a diversão, ou em outras palavras, a evolução narrativa e desdobramentos cheios de ação e emoção que têm como objetivo tirar o folego do espectador. É ou não é a estratégia perfeita para fazer história? Não tenho dúvida que o conjunto da obra elevou esse projeto a outro patamar: o daqueles que fazem história no cinema.

Mas, como nem tudo é perfeito, preciso dizer o que me incomodou: a principal coisa foi perceber que os vilões perderam toda a potência nessa segunda parte do filme. Se por um lado Paul Atreides (brilhantemente interpretado por Timothée Chalamet) teve uma evolução satisfatória e a introdução de Chani (Zendaya) também foi muito bem construída, por outro os vilões que outrora impunham respeito estavam nanicos nesta versão. Vladimir, que costumava surgir das profundezas negras, agora poderia ser facilmente confundido com um doente em fase terminal, enquanto seus sobrinhos podem ser classificados respectivamente como incompetente (Glossu Rabban não acerta uma) e maluco (Feyd-Rautha coringou legal).

Feyd-Rautha Harkonnen (interpretado por Austin Butler) e Margot Fenring (interpretada por Léa Seydoux)

Devo confessar que nunca me debrucei nas 680 páginas de Duna, logo não sei se esse problema tem origem no escritor ou no diretor. O que eu sei é que uma adaptação não precisa ser uma cópia fiel, pode ser melhorada e superar a obra original (embora seja raro). Fato é que como muitas vezes acontece no cinema, tudo é resolvido nos últimos 15 minutos e muita coisa arduamente trabalhada no primeiro filme foi ignorada ou esquecida. É uma pena.

Por outro lado, vale ressaltar que Rebecca Ferguson como Lady Jessica adiciona contornos místicos de forma precisa à narrativa. Além disso, embora pontual, o personagem Stilgar, interpretado por Javier Bardem traz leveza cômica e é muito bem aproveitado pelo roteiro, o que não acontece com outros grandes talentos que são desperdiçados em seus papéis, o caso de Léa Seydoux e Florence Pugh. O que se passa nessa cabecinha, Denis? Queríamos mais!

Caros, essa resenha já está enorme. Finalizo dizendo que venho do futuro para explanar que SIMMMM, Duna: Parte 2 vale o seu investimento. É um filme com selo de excelência, bem executado e que deve ser contemplado numa sala de cinema ou o telespectador perde muito. Isso quer dizer que o filme não tem nenhum defeito? Não, mas preciso dizer em notas musicais que ele beira a perfeição.